sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Tereza 1949 - parte 3

"Querido,você não vai vir pra cama?"

"Já vou,já está acabando o filme."
Eu já estava quase sonhando,quando senti seus braços se envolverem nas minhas costa se aconchegando entre as curvas do meu corpo deitado em posição fetal.

"Tá acordada?"

"Hum."

"Posso te contar uma coisa?"

"Hum."

"Eu odeio esses vizinhos."

"E quem você não odeia?"

"Ah,eles vieram perguntar porque depois de 3 anos de casados nós não temos um filho."

"E o que eles tem com a nossa vida?"

"Eu os mandei à merda."
Eu me virei de frente pra ele,o bafo da pasta de dente de hortelã ardia em meu nariz e seus olhos azuis brilhavam na escuridão como duas pedras preciosas.

"Eu não quero ter filhos agora. E você?"

"Ah,até que seria legal."

"Sei,você só quer calar a boca dessa gente."

"Não,eu só queria ter um filho seu."

"E como vamos ter um filho?Não temos nada nosso.Estamos nessa pensão há meses,Vicente."

"Eu sei,eu sei."

"Você sabe e mesmo assim quer ter um filho nessas condições."

"Um filho não precisa ser um problema."

"Não estou dizendo que é um problema",eu disse enquanto levantava.

"Onde você vai?"

"Vou no banheiro,posso?Toda essa conversa me deu vontade de fazer xixi."

"Como pode..."disse Vicente também levantando e encostando na parede do banheiro.

"Como pode o que?"disse sentada no vaso.

"Como você pode ser tão diferente dessas mulheres de hoje em dia,que só pensa em ter filhos e agradar
seus maridos?"

"Eu só não quero ter filhos agora,meu amor."

"Eu sei."

"Ah,mas eu agrado muito bem meu marido,isso sim".

"Isso é verdade."

Vicente,estava em cima de mim,quando o despertador tocou ás 4:30 da manhã,nossos gemidos baixinhos abafados pelo toque do despertador foram aumentando,os urros de prazer tomaram conta daquele quarto velho da pensão mais barata da cidade.As paredes rosadas,os azulejos azuis do banheiro e o tapete vermelho no chão,sentia a paizão que saia dos meus gemidos.Eu encarava aquele olhos azuis de tal maneira que senti o momento em que ele despejou em mim tudo o que sentia naquele momento.Vicente acendeu seu velho cigarro e ficou sentado no canto da cama me observando enquanto eu corria pro chuveiro tomar um banho para poder ir trabalhar.

"Vou ir fazer o café."gritou Vicente do quarto que ficava há poucos metros do banheiro,tivemos sorte em achar uma pensão que não tivesse banheiro compartilhado.

"Que horas você entra hoje?"disse enquanto tirava a espuma do sabonete do meu corpo.

"Só as 10 horas,amor."

Sentamos na mesa redonda no canto da parede rosadas,Vicente me serviu o café e pegou as torradas no canto da pia da cozinha.Era um quarto pequeno,mas tinha tudo o que precisávamos. Uma pia pequena,um fogão de duas bocas,uma cama,um pequeno guarda-roupa e um banheiro.

"Até quando você vai ficar nessa empresa?

"Ah,até um conseguir o suficiente pra gente juntar e comprar nossa casa."

"Mas isso é coisa de homem fazer."

"Você tem o dinheiro todo?"

"Ainda não,ainda não."

"Então,porque eu não posso ajudar?" Levantei, coloquei a xícara na pia enquanto cantarolava uma música "In the Mood" de Glenn Miller.Beijei a testa de Vicente,mas ele me puxou e me deu um super beijo enquanto acariciava levemente minha pele por baixo da velha saia do uniforme da empresa.


"Tá,né. Bom trabalho."

"Trás as coisas pro jantar?"

"Tá."

"Te amo."

Sai mais uma vez entre aquelas escadas daquela velha pensão. Cumprimentei seu Alberto,o dono da pensão que ficava o dia todo naquilo que ele insistia chamar de recepção.

"Bom dia."

"Bom dia,Tereza"

A melodia de "In the Mood" tocava em minha mento quando simplesmente senti minha bolsa cair no chão junto com meu corpo.

"Tereza?Você está me ouvindo?Tereza me responde."gritava Vicente enquanto me levava nos braços de volta para o quarto.

Eu abri os olhos lentamente e senti todo aquele quarto rodar,rodar e rodar.

"O que aconteceu?"eu disse tentando levantar da cama.

"Acho que você desmaiou,seu Alberto veio correndo me avisar que você tinha caído lá no chão da
recepção,ele disse que você tinha morrido."

"Ah,que velho dramático,eu estou bem."

"Não,você não está,você está pálida demais."

"Eu estou bem,já disse." Tentei levantar,mas a tontura não deixou.

"Tereza,você está sangrando".

Olhei entre minhas pernas e uma poça de sangue quente saia entre elas.
"Mas, o que..."

"Vamos para o hospital agora."

Vicente me colocou no carro,pegou o resto do seu pagamento,acendeu um cigarro e sai com o carro para o hospital.

Esperamos algumas horas até que os médicos chegassem para dar alguma notícia.

"Eu sinto muito"disse o médico em voz baixa pra Vicente no canto do quarto.

"Você sente muito o que?" berrei para que me respondessem rápido.

Vicente se ajoelhou na minha frente,com os olhos cheios de lágrimas,passou a mão entre os meus joelhos,entre os fios do meu cabelo,olhou nos meus olhos e não disse nenhuma palavra.

"Me diz alguma coisa,por favor.Eu não sei o que esse silencio que dizer."

"Senhora Tereza..."

"Fala logo."disse aos berros para que me dessem alguma notícia.

"A senhora estava grávida,eu sinto muito."

"Eu o quê? Grávida? Eu? Como? Sente muito?"

Vicente me abraçou de um jeito que eu nunca tinha sentido em 7 anos convivendo com ele.

"Eu sinto muito,meu amor."

"Mas,..."

"O médico disse que você perdeu um bebê de dois meses."

Pela primeira vez na vida,eu senti uma dor no meu peito,uma dor maior que todas as dores do mundo,e pela primeira vez eu chorei por alguém que não conheci.Eu simplesmente chorei e chorei.Não só pelo dor de ter perdido um bebê,mas pela dor de querer ter um filho em minhas mãos naquele momento,sorrindo pra mim,me acordando nas noites por causa das cólicas.Eu só queria que ele ou ela estivesse ali comigo,e que o aborto espontâneo,como disse o médico, não tivesse acontecido.Vicente me pegou pelas mãos e me levou até o carro.Nós dois ficamos ali,em silêncio total.

"Eu sinto muito"disse Vicente segurando minha mão.

"Eu sei."

"Vai ficar tudo bem,eu prometo."

Deitei no seu ombro,e ali fiquei.Vicente dirigiu durante uns 45 minutos até entramos numa rua estreita,perto da rodoviária.Eu estava apoiada na janela com o cigarro de Vicente na mão esquerda olhando as árvores passarem lentamente.A fumaça parecia fazer todo o sentido do mundo naquele momento. Rua 15,dizia a placa azul no canto da parede do muro de uma casa amarela.

"Tá vendo aquela casa com as rosas no jardim?"disse Vicente parando o carro na frente da casa.

Era uma casa simples,tinha um jardim com algumas rosas e uma varanda meio suja.Respondi "Sim" com a cabeça.

"Tá vendo essa chave?"

Respondi outra vez apenas com o movimento de minha cabeça,falar algo naquele momento parecia a coisa mais difícil em minha vida.

"Essa casa,Tereza,é a nossa casa,essa chave eu peguei ontem com o antigo dono.Ele aceitou minha oferta há alguns meses,e me entregou a chave da casa ontem."

Meus olhos se encheram de lágrimas,a dor no peito pareceu aumentar,mas a felicidade pareceu existir naquele momento e os olhos azuis de Vicente,eram as únicas verdades que faziam sentindo naquele momentos e apenas meus soluços ecoaram dentro do carro.

"Vai ficar tudo bem,minha querida."

"Promete?"

"Prometo."