terça-feira, 23 de julho de 2013

Tereza 1952 - parte 2

Foi quando encontrou as cartas amassadas, guardadas em uma caixa atrás do guarda-roupa. Todas elas com marcas de lágrimas e com juras de amor. Hoje, seu coração não sentia vontade de expor nenhum sentimento, sua mente focada em sua carreira e a insônia descrevia a dor que lembrava aquele maldito olhar.
Já havia passado 10 anos, desde que Tereza deixou Vicente. Muitos não entenderam o porquê daquele termino, mas Tereza não encontrava mais o encanto e as surpresas do dia a dia nos olhares dele, nem a sensação que sentia quando o tinha em seus braços. Parecia mais uma obrigação do que o próprio sentimento.
Vicente, já não dava explicações quando chegava tarde, bêbado. Não a procura de manhã como antes. Apenas seguia a rotina, como um robô e superficial.
Tereza sentia os perfumes adocicados de outras mulheres nas roupas deixadas no canto do banheiro, logo após o banho de Vicente.
Ela criada apenas para servir o marido, enquanto seus sonhos iam além daquela cozinha de azulejos azuis. “Eu nem gosto de azul” - pensava enquanto colocava a comida na mesa de jantar. Eles nem eram casados, apenas moravam juntos. Sua família a abandonará pelo fato dela não ter entrado de véu e grinalda na igreja de São Cristóvão, onde toda sua família havia casado. “Mas eu nunca quis casar, eu não vou”- resmungava enquanto abria uma antiga garrafa de vinho tinto.
Vicente não apareceu naquela noite, nem para o jantar, nem para o clássico jogo de futebol.
Tereza abriu todas as portas de seu guarda-roupa, jogou todos seus pertences dentro de uma mala velha e saiu pela porta da rua. “Nós não temos filhos, eu não preciso suportar tudo isso. Preciso seguir meu sonho, preciso fugir dessa maldita casa, dessa maldita vila onde eu tenho que fingir que sou uma daquelas famílias americanas daqueles comerciais de margarina. Como eu O-D-E-I-O essa vida, como eu odeio essa cara por quem me apaixonei loucamente, como eu odeio ser tão burraa.”. Com as malas na mão, o vento gelado da madrugada em seu rosto e as lágrimas quentes descia sem parar. Aquelas promessas, de felicidade eterna, que Vicente tanto a prometeu. Ela que largou tudo por acreditar no que realmente sentia aquele amor que os dois juravam e viviam tudo indo embora. “Mas ele parecia tão verdadeiro e sincero”-pensava, enquanto limpava as lágrimas e esperava na fila para comprar uma passagem para a cidade de sua avó.

Embarcou no ônibus, ás 03h55min da madrugada. Sentou do lado de um rapaz, que a encarava toda vez que sentia as lágrimas pelo seu rosto. O ônibus velho, com cadeiras rasgadas, vidros emperrados trazia um ar de aventura para Tereza, que com apenas 23 anos já estava cansada daquela vida de “casada”, estava cansada daquele “marido” que apenas a cumprimentava com um beijo no rosto e ficava encarando o jornal enquanto fazia as refeições.
Quando Tereza abriu os olhos, já havia amanhecido. Mas muitos ainda dormiam no ônibus, inclusive o jovem rapaz do seu lado. Tereza encarou o jovem por alguns minutos, enquanto ele dormia profundamente de um jeito engraçado, e com um pequeno rouco que saia da sua boca rachada e aberta. De um jeito estranho, ele lembrava Vicente, a gana em sua pela jovem e brilhante, o cabelo castanho claro bagunçado, os olhos azuis vibrantes, que Tereza encarou por alguns segundos enquanto subia para o ônibus e coloca sua mala em cima de sua cadeira, em um compartimento pequeno e úmido. Sentiu-se culpada pela sua atitude, sentiu-se completamente triste por ter fugido daquele jeito sem ao menos tentar mais uma vez, sem ao menos dar uma chance para Vicente explicar o que estava acontecendo. E o remorso crescia em seu peito de um jeito, que parecia que ele iria sair pela sua boca e rasgar todos aqueles 6 anos de história de amor que viveu com seu namorado de olhos azuis. E aquele rapaz dormindo a seu lado, no velho ônibus Cometa, fez com que Tereza parasse no terminal da cidade em que o motorista acabava de parar, retomar as energias para continuar a viagem que duraria mais 4 horas.
Tereza saiu correndo para a bilheteria do terminal, com as malas na mão, com o cabelo bagunçado e seus olhos inchados. Pegou a passagem, do próximo ônibus para voltar para sua cidade, para voltar para sua casa, para voltar para Vicente. A paixão de reencontra-lo, de dar mais uma chance para viver um grande amor, aumentavam cada vez mais em Tereza, ainda mais quando viu a rodoviária de sua cidade se aproximar.
Eram 13h30min quando desceu do ônibus. Saiu correndo para a velha Rua 15 de novembro, o coração acelerado, as maças de seu rosto vermelhas, não estava acostumada a correr tanto e suas malas vermelhas começaram a pesar em suas delicadas mãos. Sua casa simples, com um pequeno jardim de rosas e com alguns “temperos”, a varanda com cadeiras brancas e a velha rede azul que sua vó tinha costurado para trazer sorte para ela e Vicente. Sua vida toda ali dentro esperando para ser revivida.
Abriu a porta com um sorriso no rosto e o suor em sua testa. O silencio nunca pareceu gritar tanto naquele momento, o eco de seus passos pela casa parecia ensurdecedor. A comida na mesa de jantar intocada, a comida ainda em cima do fogão, o vinho que Tereza tomou para ter coragem de sair de casa, ainda em cima da pia e Vicente deveria estar jogado em alguma cama de algum lugar da cidade.

Tereza pegou suas malas vermelhas, recuperou o fôlego e saiu pela porta da sala. Deixando tudo escancarado, exatamente como seu coração estava naquele momento. 

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